segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Aquela nuvem e outras

Imagem do livro Aquela nuvem e outras (Quasi
Edições, 2007), com poemas de Eugénio de Andrade e

ilustração de Joana Quental. Na capa, o gato maltês
o que "anda no jardim/ à roda do pudim"
ou a "a correr atrás/ da franga pedrês".




















Canção de Leonoreta

Borboleta, borboleta
flor do ar,
onde vais que me não levas?
Onde vais tu, Leonoreta?

Vou ao rio, e tenho pressa,
não te ponhas no caminho.
Vou ver o jacarandá,
que deve estar florido.

Leonoreta, Leonoreta,
que me não levas contigo...


Aquela nuvem

- É tão bom ser nuvem,
Ter um corpo leve
e passar, passar.

- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?

- Serve para te ver.
E passar, passar.

 Eugénio de Andrade (1923-2005)
in Aquela nuvem e outras, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005

«Por mais impessoal que seja a minha poesia, nunca o foi tanto como a que fui escrevendo à medida que o Miguel ia crescendo diante dos meus olhos, e me ia pedindo uma história ou um poema. Provavelmente isto é coisa comum entre miúdos, mas este parecia-me especialmente atraído pelas coisas da imaginação, e foi para o ver sorrir ou lhe dar prazer que inventei estas puerilidades, algumas das quais me atrevo agora a publicar. O mais curioso é que a palavra, com todos os seus sortilégios, parecia fasciná-lo, mesmo quando a não entendia.

O que ele ignorava sabê-mo-lo nós de sobra: a simples matéria sonora - rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias - é fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela primeira vez, a escutar o vento entre os ramos.

Ao escrever estes versos, procurei abrir os ouvidos da alma às vozes que encheram os dias já distantes da minha infância. (...)»

Eugénio de Andrade, Setembro de 1986
in Aquela nuvem e outras, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005