Apresentação
«Um dos desafios que os Estudos Sociais da Infância colocam aos/às adultos-investigadores/as interessados/as em conhecer as crianças como actores sociais que efectivamente têm uma determinada agency, é o de porem mãos à obra e de tentarem descobrir essa mesma agência pelo uso da Etnografia.
O acervo de conhecimento que entretanto existe acerca da diversidade e complexidade dos mundos sociais das crianças e da pluralidade de infâncias atesta o sucesso que este empreendimento tem alcançado. No entanto, isso não significa que a Etnografia presente nos estudos da infância esteja ou seja isenta de problemas epistemológicos, teóricos, metodológicos e éticos que acarretam consequências para a construção social da infância e para o próprio conhecimento que é gerado. Por seu turno, nos textos académicos nem sempre é visível a reflexividade inerente e emergente da prática etnográfica com crianças, que é essencial para esclarecer os processos de produção de conhecimento e para repensar o contributo desta abordagem na contemporaneidade, nas várias disciplinas das Ciências Sociais.
Neste sentido, para quem está interessado em conhecer as crianças e a infância através da Etnografia, colocam-se como desafios actuais, entre outros: i) procurar colmatar os bias já identificados nas etnografias com crianças – idades, classe social e espaços sociais – e atender à multiplicidade de outros aspectos presentes na sua vida social além da escola; ii) reconsiderar o alerta de A. James (2007) para as questões de autenticidade e de representação inerentes aos estudos contemporâneos sobre a infância e a sua tradução, interpretação e mediação, evitando o seu uso como instrumento retórico, uma vez que “a investigação acerca da infância não é simplesmente fazer com que as vozes das crianças sejam ouvidas, no seu sentido mais literal, através da apresentação das perspectivas das crianças. É também explorar a natureza da “voz” que é atribuída às crianças, como é que esta voz forma e reflecte os modos pelos quais a infância é compreendida, e portanto, os discursos nos quais as próprias crianças se reconhecem dentro de qualquer sociedade” (idem: 266).
Com base na análise da produção científica que hoje em dia faz uso da Etnografia nos vários campos disciplinares a proposta deste Seminário tem a intenção de i) perceber o lugar que as crianças e a infância ocupam nestes estudos e alguns dos paradoxos inerentes ao impacto e tensões que sofrem num espaço-tempo crescentemente globalizado; ii) partilhar e analisar reflexivamente a vivência de dificuldades no nosso próprio fazer etnográfico, em campos disciplinares e contextos de investigação diferentes.
Retomamos, assim, a proposta feita no painel organizado no congresso da Associação Portuguesa de Antropologia, em 2009, na expectativa de que os avanços conseguidos nestes dois anos possam ampliar e aprofundar a reflexão então iniciada, juntando-a a outras já em curso nos campos da Sociologia, Educação, Comunicação, etc. Do mesmo modo, estaremos a tentar acompanhar o movimento académico internacional, contribuindo com a especificidade da investigação que se faz em Portugal.»
Temas
- O potencial e as limitações da prática etnográfica;
- A opção pela Etnografia como ferramenta de recolha de dados qualitativos ou/e como campo metodológico e disciplinar;
- A construção do campo etnográfico: dilemas, dificuldades e estratégias;
- Da recolha etnográfica à apresentação de resultados de investigação;
- A etnografia nas diferentes ciências sociais e humanas;
- A etnografia com crianças e os diferentes contextos sócio-educativos da contemporaneidade;
- A experiência etnográfica com crianças em espaços/tempos públicos e privados;
- Ética na pesquisa etnográfica com crianças - dilemas e desafios;
- Contributos da etnografia para os campos sócio-educativos e da intervenção social;
- A etnografia com crianças e os “novos” sujeitos (crianças dos 0-3, crianças portadoras de deficiência, migrantes…);
- Etnografia com crianças e uso de outras metodologias e técnicas de pesquisa (captação, uso e veiculação de imagem, desenhos e áudio);
- Etnografia nos estudos de género, idade, etnia e identidade;
- Etnografia nos campos da comunicação e media;
- A reflexividade inerente à prática etnográfica e sua influência nos sujeitos de investigação;
- O papel da etnografia e do(a) etnógrafo(a);
- A criança dentro do etnógrafo e as distâncias cognitivas na investigação.